terça-feira, 20 de novembro de 2012

Nem uma gota


O prenuncio de chuva é também o prenuncio da eminente catástrofe urbana. É quase um alerta, um sinal de perigo, sirenes de raios e trovões. É quase imediata à reação das pessoas que vivem nessas cidades, tão imediata é a sensação que algo deve ser feito, alguma atitude deve ser tomada frente aquele situação de perigo. Parece que alguma espécie de pânico toma conta da consciência dessas pessoas.
            A senhorinha que fuçava a bolsa, com certa pressa, esbarrou num moço forte, que corria apressado. Ela parecia procurar o guarda-chuva. Assim como os outros, sentiu o perigo e agiu logo. O tal moço forte tomou sua providência e apertou o passo. Alguns se aglomeraram debaixo de um toldo de boteco. Era a sua fortaleza. Nenhum lugar parecia mais seguro que aquele, naquele instante. Muitas outras pessoas passaram a caminhar mais rápido.
            Era uma marcha sobre a cidade. Centenas de pedestres enlouquecidos num ritmo frenético de Apocalipse. Os compassos finais da canção de um dia ensolarado. O fim trágico. Mas não só nas calçadas é que o prenuncio de chuva causava alarde. O trânsito se transformou, ficou mais feroz, arredio. Os motoristas também sentiram. Sentiram aquela mesma coisa que os pedestres sentiram. Com certeza. As reações não foram menos alarmistas, desesperadas. Não diferentemente, também dirigiam mais rápido.
            E como um inconsciente comando das nuvens, as pessoas ali mudaram de forma drástica seus comportamentos. A pressa se tornou regra. Queriam chegar logo, todos aos seus destinos, pedestres e motoristas. Alguns corriam pras estações de metrô. Outros pros seus respectivos escritórios e comércios. Outros deveriam estar correndo pra casa, lugar mais seguro não há. Estranho era ver curiosos dois ou três pedestres que continuavam caminhando, como se nada estivesse diferente de um minuto atrás.
            E de fato não havia nada de realmente diferente. Era apenas o prenuncio de chuva. Nenhuma gota ainda havia caído, de fato. Mas o pânico já havia se instaurado. Não havia volta. As mentes estavam em alerta, os corações preparados. A senhorinha com o guarda-chuva nas mãos, o moço alto corria ainda mais, os pedestres todos corriam, se escondiam, mantinham os olhos no céu. Os carros passaram a se enfileirar. O trânsito começara a ficar lento. Mas nenhuma gota ainda tinha caído. O simples prenuncio de chuva travou o trânsito. O medo fez isso. O pânico.
            Os que conversavam passaram a usar meias palavras, fazer sinais. Os que comiam, passaram a devorar, como se aquela fosse a ultima refeição. Os que viam as vitrines das lojas, não viram mais nada senão o cinza escuro das nuvens que se acumulavam. Raios. Os que esperavam, mesmo esses, que a chuva pouco afetaria quando caísse, também sentiram aquilo que os outros sentiram. Sentiram o eminente fim da sua tranqüilidade. O prenuncio de roupas e sapatos molhados, das poças d’água, dos restaurantes, padarias e botecos lotados. Os motoristas já sabiam da piora do trânsito. Eles sabiam porque sentiram aquilo. Impossível não terem sentido.
            Mas aqueles que simplesmente não fizeram nada? Não sentiram também? Talvez tenham sentido. Mas por que reagiram tão diferente? Ou melhor, por que não reagiram? Não lhes incomodariam as roupas molhadas, os sapatos encharcados, o risco de gripe, ou o simples fato de que há poucos minutos poderia chover?
            Talvez apenas fossem pessoas precavidas. Deveriam acreditar que o prenuncio de chuva não é necessariamente a própria chuva, e esperavam pra se desesperar somente quando ela realmente começasse a cair. Prefeririam não se antecipar? Talvez.
            Mas até antão nenhum pingo de água caiu do céu escuro daquela cidade grande. Pelo menos não ali, naquele bairro velho do centro. Mas seu prenuncio continuava ali, berrando desespero pra população, espalhando medo, mais assustador que a própria chuva. Mais ameaçador. Causando reações e exceções.
 


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