domingo, 18 de novembro de 2012

Um alguém


Um alguém qualquer se sentou numa mesa e esperou que a garçonete lhe atendesse. Ela demorou um pouco para atendê-lo, sabe-se lá por que. O alguém olhou em volta e viu que o ambiente estava cheio. Deve ter pesando que esse era o motivo do atraso.
            Depois de alguns minutos esperando, ele resolveu levantar-se. Andou até o balcão e fez o pedido alí mesmo. Quando voltou a sua mesa viu que já estava ocupada por outros dois alguéns. Ficou puto. Voltou ao balcão e pediu para que lhe arrumassem uma mesa. E foi atendido.
            Não demorou muito para a garçonete lhe trazer o pedido. O alguém pareceu se sentir um pouco ofendido com o modo como a garçonete lhe serviu e fez cara de bravo. Ela não deve ter prestado muita atenção nisso. Então o alguém fez uma cara ainda pior que a anterior, mas não pra garçonete, que já corria para atender outros alguéns.
            O alguém virou-se pro lado e fez alguns comentários com outros alguéns da mesa ao lado. Disse algo sobre o atendimento alí ser muito ruim, sobre a garçonete estar mau humorada, sobre como se deveria atender um cliente, sobre como ele era atendido em outros estabalecimentos mais nobres, sobre como ele se revolta contra a falta de educação e dedicação das garçonetes. Os outros alguéns que ouviam concordaram monossilabicamente.
            Mas contra o que se revoltava o alguém? Ele deveria estar puto com o fato de ter perdido a sua mesa para outros alguéns que não a mereciam. Ou deveria estar puto mesmo com a demora no atendimento, ou com o fato de ter de levantar-se e ir até ao balcão fazer seu pedido, perder sua mesa, tudo por causa da demora do atendimento, já que ele poderia estar atrasado pra um compromisso qualquer, ou com pressa para comer e sair daquele lugar onde o tendimento era ruim e demorova-se muito pra ser atendido e as garçonetes eram mal-humoradas.
            Pode ser também que ele estivesse puto com o mal-humor da garçonete. Pra ele talvez não importasse que o estabelecimento estivesse cheio e a garçonete estivesse muito ocupada. Ou que ela tivesse algum problema que ele desconhecia, que ela talvez tivesse uma doença grave, que algo de ruim possa ter acontecido a um de seus familiares, que seu emprego fosse uma merda, que seu salário fosse ridículo, que ela tivesse que pegar dois ônibus, um trem, um metrô e ainda caminhar meia hora pra chegar naquele estabelecimento onde ela era reprimida, mal-tratada, trabalhava muito, ganhava pouco.
            Talvez ele não se importasse com nada disso. Ele parecia mesmo querer um sorriso dela. Mesmo que fosse um sorriso falso. Ele parecia mesmo querer um sorriso falso dela.
            Ele parecia querer ser o único a estar alí, o primeiro a ser atendido, o senhor de todas as mesas, o dono da garçonete. Por que se fosse, ele talvez a obrigasse a sorrir pra ele todos os dias. Talvez lhe obrigasse a lhe servir todos os dias, em todas as mesas, em tempo recorde. Talvez lhe obrigasse a transar com ele todos os dias, em todas as mesas, o tempo todo. Mesmo que os sorrisos fossem falsos, ou mesmo que os orgasmos fossem falsos.
            Depois de comer, ele pagou pela comida, passou pela garçonete e sorriu pra ela. Ela sorriu de volta. Um sorriso quase triste. Se distraiu e derrubou uma bandeja. O alguém riu de novo. Parecia pensar que ela, a garçonete, não servia para servi-lo.
 


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