Havia
um certo restaurante, numa certa rua, numa certa grande cidade, onde sempre
havia um toldo do lado de fora, cobrindo as mesas onde as pessoas que comiam
alí se sentavam. Houve um certo dia, nesse certo restaurante, que aquele toldo
não estava mais colocado naquele mesmo certo lugar. Algo errado? Talvez.
Naquele certo dia, chegou por alí um
certo grupo de pessoas que costumavam ir todos os dias aquele restaurante e
imediatemente notaram que alguma coisa estava diferente. Notaram a falta do toldo,
notaram a luz forte de um dia ensolarado e o vento fresco de um clima
agradável. Mas esse clima parecia
agradável demais pra esse certo grupo de pessoas. Imediatamente passarm a
reclamar da ausência do toldo, com algumas certas justificativas. Ou erradas.
Quem sabe? Um disse que poderia chover. Outro disse qua fazia frio. Outro disse
simplesmente preferia que o toldo estivesse alí onde sempre esteve.
O que na verdade encomodou aquele
certo grupo de pessoas naquela tarde ensolarada e de clima agradável? Talvez a
mudança inesperada de um toldo que parecia necessário para que pudessem comer
alí tranquilos como sempre. Sentiriam, talvez, uma certa dificuldade de
conversar sobre certos assuntos, afinal, o toldo estava alí para escondê-los
dos olhos e ouvidos de Deus.
Talvez tivessem medo de se sentar
alí sem a proteção divina do toldo, que os salvaria de qualquer perigo
iminente, de qualquer catástrofe iminente, de qualquer acaso, qualquer
acidente, qualquer coisa não fazia parte de seus planos de comer, beber, rir e
papear. Talvez tivessem medo do motivo pelo qual o toldo foi tirado dalí, fosse
ele uma motivo qualquer.
Talvez, e bem talvez, tivessem medo
da sensação de liberdade que o toldo lhes proporcionava. Poderiam temer a
liberdade, o ar fresco, o dia ensolarado. Saiam todos os dias de edifícios
fechados para almoçar debaixo daquele toldo, voltavam para os edifícios, saiam
para voltar pra casa, em carros, ônibus, trens e metrôs, e por fim chegavam em casa. Estavam sempre
cercados de concreto, tijolos, vidros e metal. Talvez tivessem medo de estar
somente cercados de ar fresco e luz.
Naquele certo dia eles comeram,
beberam, riram e conversaram de maneira diferente. Comeram pouco, beberam quase
nada, riram entre dentes, conversaram sobre nada. Naquele certo momento tudo
parecia errado. Eles pareciam perdidos, o toldo parecia perdido, a comida
parecia fria, a bebida quente, o riso falso e a conversa vazia.
No dia seguinte, lá estava o toldo
devolta, onde costumava estar. Estava alí cumprindo seu papel. Protegia,
escondia, disfarçava, encobria e cobria a liberdade.
E aquele certo grupo de pessoas
voltou aquele certo restaurante, naquele certa rua, naquela certa cidade grande
e viu que o toldo estava alí. E pareceram julgar que agora estava tudo como
devería ser, tudo certo.
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