quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

Um último café




-       Você não vai tomar seu café?
-       Claro que sim.
-       Tá esfriando aí.
-       Eu sei.
-       Você vai tomar ele frio?
-       Vou.
-       Por quê?
-       Por que você quer saber porquê eu vou tomar meu café frio?
-       Ué, porque não é muito comum tomar café frio. Você deve ter algum motivo pra isso.
-       Motivo?!
-       É. Uma justificativa. Uma explicação.
-       E por que eu deveria ter?
-       Você faz alguma coisa sem ter motivo nenhum pra fazer?
-       Você não?
-       Não… Bom, às vezes, eu acho…
-       Então.
-       Mas você deve ter algum motivo pra tomar café frio...
-       Não, eu não tenho.  Eu só quero tomar café frio. Eu quero, e só. Eu não preciso de um motivo pra isso. Aliás, ninguém precisa de motivo pra nada. Não preciso ficar aqui discutindo com você se tomar café quente ou frio é melhor ou pior, se é normal ou estranho, se é certo ou errado. A gente pode passar toda a nossa vida discutindo a temperatura do meu café e no fim eu vou tomar ele frio do mesmo jeito. Pra que ficar discutindo se a gente nunca chega em lugar nenhum? Aliás, não existe lugar nenhum pra chegar.
-     Talvez não... Então por que você tá aqui esperando seu café esfriar? Por que você tá aqui sentando me ouvindo, respirando e pensando? Por que você se esforça em viver se você não vai chegar em lugar nenhum, se um dia você vai morrer?

Então, pela primeira vez ele não apenas pensou na sua morte (afinal, passou boa parte da vida pensando nela) mas sentiu a morte passando por ali, abrindo a porta, sentando do seu lado, pedindo um café e olhando pro copo, esperando o café esfriar.