quarta-feira, 16 de julho de 2014

Cantai Louvores!



Dava pra ouvir daquele apartamento o som do vizinho ligado no talo, tocando música de louvor.

"Senhoooor! Creio seeeempre em tiiiiii, me guiiiiaaaAAAA!!!"

O único barulho de dentro da casa vinha de trás uma porta descascando, de madeira. Batidas secas, rangidos de móvel, vozes. Claro, tinha gente metendo lá dentro. Aliás, caralho, tinha gente dormindo na sala toda! Alguns e algumas nus e nuas, outros e outras nem tanto.

Inacreditável. Mas como? Aliás, QUEM? Olhando em volta, dava pra ver o Betinho e o Urso, deitados atravessando o chão da sala, num tapete bem desconfortável, encobertos por um lençol quase branco, provavelmente dormindo, ou fingindo muito bem. Num sofá de tecido grosseiro, feio pra cacete, dava pra ver o rosto da Van, de calcinha, cobrindo os seios com uma bata indiana.

O resto? Vai saber...

"E o teu amooooOOOOOooor vai me curaaaaaaar..."

Em um instante o barulho vindo do que provavelmente era o quarto, para aos poucos. Foi consumado, minha gente. O ato final, a fina flor do desejo juvenil. Um cara estranho sai do quarto, sem pudor nem vergonha alguma, cumprimenta os acordados na sala, e entra em uma outra porta, que pelos ruídos em seguida, dá pra sacar que é o banheiro.

De um outro cômodo, o único iluminado por uma lâmpada, dá pra ouvir um barulho na panela. Uma fumaça. A boca saliva. A noite foi maluca e terrivelmente maravilhosa. Um gosto amargo na boca pede água. A barriga ronca, a língua descansa e a cabeça dói.

Alguém liga um aparelho de som. Jimi Hendrix.

"Purple Haaaaaze!"

"Jesuuuuuuus! O nome sagraaaaado deeee Jesuuuuuuus!"

Uma morena com um papel na mão, senta no meio da "cama" improvisada no chão da sala, provavelmente ela que colocou o Hendrix. Boa escolha. Em minuto ela tem uma bomba na mão, que estoura.

Mais e mais fumaça, as pessoas vão acordando, alguns vestem roupas, outros e outras, tiram. No apartamento do lado ainda se ouve música de louvor, agora um pouco mais alto. Hendrix toca guitarra. Na rua, a sinfonia contínua dos motores a combustão, das turbinas, das linhas elétricas. No quarto, o batimento constante dos corações e pulsação dos desejos.

"Cantareeeei! Cantareeeei! A tiiiii, Poderooosoooooo!"

Betinho e Urso, os pastores da Igreja da Luxúria. Guiam aqueles que buscam a verdade da explosão de toques, de desejos profundos, do sabor do mel. Van, a profetisa dos novos tempos, das novas caras que aparecem pela porta do quarto, aquela que anuncia o vai e vem das paixões. Servos obedientes e fiéis, guiam, curam. Cantemos em louvor!

"Excuse me while I kiss the sky!"

terça-feira, 15 de julho de 2014

"Flora"

Um punhado de pés de feijão foram a inspiração pra esse poema. O pézinho, cultivado aqui em casa, causou um efeito interessante, em contraste com a cidade.


quarta-feira, 2 de julho de 2014

As putas da Liberdade


Já passavam das 22hs quando eu virava a esquina da João Mendes com a avenida Liberdade. Bem ali tem um barzinho bem bacana, com porções boas, cerveja com preço honesto e tudo mais. Mal cruzei o bar, uma moça (já não tão moça assim) para na minha frente, sem nenhum tipo de abordagem introdutória e pergunta: "Moço, vamo no hotel?".

"Não, obrigado moça." Achei engraçado e bizarro. No instante seguinte, uns cinco passos a frente, dois jovens, adolescentes mesmo, me param e perguntam como chegar no bairro da Luz. "Vish... tá meio longe... Vai por aqui..." e tals. Eles se olharam por um segundo e logo mandaram a real:

"Então, nóis tamo procurando memo uns puterinho. Cê sabe onde tem uns puterinho aqui perto?"

"Olha cara, seguindo aqui mesmo na avenida tem umas portinhas de hotel que sempre tem umas putas na frente. É só seguir."

"Ow! Valeu, mano!"

Seguiram. Um deles saiu pulando e comemorando que hoje era dia de "fazê um sexo". Hilário. Santo fogo juvenil. Segui caminhando a trás deles, por uns minutos e vi que eles passaram uma das tais portinhas. Gritei pra eles, e indiquei o lugar, apontando com o dedo. Eles deram meia volta, agradecerem e foram lá.

Mais um instante depois, passando por outra portinha, mais a frente, uma outra "moça" vem descendo a escada e grita lá de dentro "Moço! Espera! Vem aqui! Deixa eu te perguntar uma coisa..."

Sem pensar duas vezes, fui até a porta e respondi "Moça, eu não to procurando você não, mas tem dois caras ali que tão". Indiquei os moleques pra ela. Ela agradeceu e me deu boa noite.

Job's done.

(Caio Miranda, São Paulo, 01/07/2014)