quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

Sem saída




Incrível é a diversidade de atividades (lícitas e ilícitas) que podem acontecer num lugar um tanto comum. Mais que um lugar comum, aquele beco no bairro da Lapa é um lugar esquecido. Esquecido pela própria sociedade (ou parte dela), que abandonou aquele espaço, deixou o beco pra quem lhe bem servisse. E, é claro, ele ganhou novos usos, diferentes daqueles que possuía antigamente, quando o bairro (até então industrial) contava apenas com aqueles casarões e grandes “alojamentos” de proletariado.
Não diferente de antes, os assalariados ainda são maioria no bairro, mas não são exclusividade. Uma série de outras figuras pós-modernas perambulam por lá, inclusive naquele beco esquecido. Sim, o espaço esvaziado foi lentamente sendo preenchido por aqueles seres e por suas culturas tão estranhas ao cidadão comum, trabalhador, assalariado. As putas, por exemplo, não são novidade na Lapa, mas sim naquele beco. Encontraram ali refúgio e sossego no seu trabalho, longe de cafetões e cafetinas cruéis, exploradores. Ali elas oferecem seus serviços, negociam preços, discutem entre si, às vezes até saem no tapa. As travestis, então, nem se fala. São as maiores agitadoras do velho beco, transformam aquele espaço morto em um grande salão de festas.
Claro que os pequenos traficantes também usam aquele espaço. É perfeito para a venda discreta que praticam. Os clientes costumam chegar depois do fim da tarde. Compram de tudo. Alguns usam ali mesmo. Vão até o fim da rua sem saída, se sentam no chão, preparam tudo e mandam tudo pra dentro. Alguns saem de lá sorrindo, outros com uma cara muito pior que estavam quando compraram seu bagulho. Esses últimos saem sempre correndo, como se ali existisse uma ameaça mortal. E logo voltam, sedentos de mais barato, compram mais erva, mais pó, mais pedra. Correm lá pro fundinho e se acabam. É o fim do caminho.
Mas não só de criminalidade vive o beco abandonado. Tem vezes que meninos de rua usam o espaço pra brincar. Apostam corrida, brincam de pega-pega, às vezes brincam de brigar mesmo. Quando não tem ninguém por lá, casais se aproveitam do beco deserto pra se pegar. Uma putaria lascada. Tem gente que diz que já trepou no beco. Um tanto estranho. Deve ser bem desagradável, o lugar fede muito, tem muito lixo espalhado, e por mais que não haja ninguém por ali, o beco dá de cara com a rua, onde os carros passam eventualmente. Dá pra ter prazer assim? Vai saber...
Dia desses, já na madrugada, um menino de rua passou pelo beco gritando. “FILADAPUTA! FILADAPUTA! FILADAPUTA!”. Um dos traficantes dali, molecão, parou o menino, perguntando que tinha acontecido.
- Que foi muleque?! Cê tá locão?!
- Ai tio, a trava ali num qué me dá o dinhero!
- Qual trava, mano?
- A do casão ali! Aquela do pau mole!
- Filadaputa...
O molecão enfiou a mão num saco de lixo, tirou dois papelotes e deu na mão do menino.
- Vende ae, muleque.
Ele foi até o fundo do beco. No meio do caminho pegou um pedaço de borracha velha, gasta. No fim da rua estavam três travestis encostadas num muro mal acabado. Sem dizer uma palavra sequer, o molecão deu com a borracha em uma delas (a mais jovem), que caiu no chão podre do beco. Imediatamente as outras duas correram, berrando, até a entrada do beco, desaparecendo na esquina seguinte. O molecão deu uma surra na travesti, e só parou quando outro traficante da área lhe gritou o nome, lá do outro lado. Devia ser cliente importante.
A travesti ficou ali caída, gemendo e chorando. Logo, um pequeno bando de meninos de rua cercou ela, roubando tudo que ela tinha ali, dinheiro, bijuterias, partes da roupa, celular, até a peruca morena. Limparam a coitada. Um dos meninos ainda deu um chute na barriga dela. E saíram.
Algum tempo depois o beco estava vazio. Nenhum traficante, nenhuma puta, nem moleques de rua, nem ninguém, além daquela figura suja e ensanguentada caída ali no chão imundo. O cheiro de lixo dominava o ambiente, quando um jovem moço chegou perto da travesti. Ficou ali alguns minutos, olhando em volta. Quando parecia mais confortável naquele lugar, botou o pau pra fora e bateu uma. Deve ter olhado por debaixo do que sobrou da roupa da travesti, ficou excitado e não perdeu tempo. Depois, serviço feito, cutucou a travesti, tentando acordar ela. Com sucesso. Juntos, foram caminhando pra fora do beco. Ele acendeu um baseado, ofereceu pra ela, ela aceitou. Sumiram pela rua logo em seguida.
O beco voltou a ficar vazio. Sobrava o cheiro de lixo e sangue, os papelotes vazios de crack. Sobrava o silêncio de um beco esquecido pelo Estado e sociedade organizada. Faltava a pureza dos meninos de rua, a doçura de uma puta jovem e maquiada, a alegria dos adictos chapados da noite paulistana.

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