Era um menino até que
bonito. Se vestia exatamente como queria sua mãe, bem alinhado, roupas novas,
limpas, as meias esticadas, cabelo feito e tudo mais. Gastava os sapatos novos
dados pela tia, que o arrastava pela mão a passos largos, sempre atravessando
aquela praça.
Ela dizia que
precisava encontrar uns amigos, sumia por algumas horas, e ele ficava lá,
sentado na mesma cadeira horrível, no que parecia a entrada de um prédio velho
e feio, em companhia de uma mulher velha de rosto pintado.
E era assim todo dia
que ele era deixado pela mãe aos cuidados da tia. “Louca! Eu sei... mas eu
preciso de alguém pra cuidar dele”. O pequeno gostava da tia (sempre de rosto
pintado também), não sabia se era porque ela sempre lhe pagava um sorvete ou se
pelo jeito estranho e engraçado que ela costumava falar.
Curioso foi que certo dia, um daqueles bem quentes, eles foram até a mesma sorveteria. O menino pediu
seu favorito, chocolate. Exigiu um bis e logo saboreava um delicioso picolé de
baunilha. Ás vezes a tia deixava ele fazer muitas outras coisas que o pai e a
mãe não permitiam. Ela falava sobre coisas que eles não falavam, também. Sabia
de muitas coisas.
Naquele dia ele usava
roupas meio surradas, as mais confortáveis, o que já lhe colocou um sorriso
impagável no rosto. Caminhava alegre, quase saltitante, quase dançando, meio
frenético. Olhava as pessoas, os adultos, sérios, mal-humorados, de cara-feia,
correndo pra lá e pra cá, usando aquelas roupas apertadas, os cabelos sempre
penteados, limpos, comportados, silenciosos. Achou tudo aquilo normal, até o
instante em que uma figura bem diferente dos demais lhe roubou a atenção. Agia
meio estranho, a tal figura, gargalhava à toa de modo um tanto assustador,
falava sozinho, ou tinha um amigo invisível, berrava ás vezes, sorria, cantava,
deitava e rolava no chão. Muito diferente de todos os outro. Se vestia muito
esquisito, roupas velhas, rasgadas e sujas. Parecia também que não tomava
banho. Será que os pais dele não mandam ele tomar banho? Será que ele tinha pai
e mãe? Talvez não. A tia disse que ele morava na rua.
“É um louco”, ela
disse.
Louco. Esse nome ecoou
na cabecinha do menino. Então os loucos não tem pais pra mandar neles? E eles
podem dançar a qualquer hora do dia? Parecia perfeito. O menino então decidiu
que quando cresce-se seria um louco. Mas não ia dormir na rua não, porque é
muito escuro de noite. Ia ser um louco e morar numa casa enorme, cheia de
loucos igual a ele. Uma casa igual aquela que sua tia lhe falou, a “Casa dos
Loucos”. Eles vão todos para lá, e devem pular e gritar o dia todo.
E o menino dizia que
queria ser louco. Entendendo ou não, os adultos reagiam de diversas formas. Ás
vezes brigavam com ele. Ás vezes riam dele. E ele, de qualquer forma, não
entendia. Mas continuava a passear com a tia, tomava seu sorvete de chocolate e
assistia o louco brincar na praça. Quando dava sorte, encontrava outros loucos
por ali, homens e mulheres, que quase sempre estavam juntos. O menino gostava
muito deles, ria com eles, mas tinha medo de alguns. Mesmo assim, na sua
admiração crescente, inflava o desejo juvenil de poder ser um adulto louco.
E o menino foi
crescendo. A tia foi-se embora. Nunca mais via a tia louca. E poucas vezes mais
passou pela praça.
E como todo rapaz
jovem, que cresce e se desenvolve, ele se tornou o que um dia ele mesmo definiu
como “adulto”. Um homem sério, trabalhador, íntegro, educado, bem vestido, bem
sucedido, limpo e respeitável. Porém, se sentia triste toda vez que passava
pela praça. Não havia mais sorveteria (ele nem gostava mais de chocolate), nem
o prédio onde a tia ia “encontrar os amigos”. Nem os loucos. E o sentimento
indefinido que o acometia era vacilante, ás vezes parecendo uma simples e pura
nostalgia da infância, outras vezes um inexplicável sentimento de derrota. De
qualquer forma, caminhava ali, de passos firmes, bem alinhado, postura ereta,
sério, sóbrio e silencioso.
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