quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

No estacionamento


            “Não é tão assustador assim”, disse a si mesma. Mesmo o espaço estando completamente esvaziado de vida. Mesmo a luz ambiente sendo fraca, deixando várias áreas de sombra densa. Mesmo o barulho do ar-condicionado sendo o único ruído a ser ouvido. Até ela dar os primeiros passos, e seus sapatos de salto bico fino encherem o estacionamento de toc tocs.
            Seu rosto ficou meio distorcido. Parecia que os músculos da cara toda estavam contraídos. Pelo jeito, sua frase corajosa, dita meio minuto antes, não foi dita com tanto confiança assim. Tanto que ela apertou o passo. Seu carro estava longe, o estacionamento era enorme. Carros pra todos os lados, parados de todas as formas, em todas as direções, em todos os ângulos. E pior, fazia um frio desgraçado ali. As mãos dela estavam apertadas, ou de frio, ou de medo, ou ambos. Às vezes, quando se tem medo também se tem frio.
            O medo dela pode parecer óbvio. Moça distinta, fina, rica, andando num lugar escuro, vazio, procurando pelo seu carro, seu bem de alto valor, sem nenhum segurança por perto (“Pra quê eu pago essa porcaria?!”). Medo de ser assaltada, provavelmente. Ou medo de ser violentada, estuprada, sabe-se lá o quê mais. Mas um medo justificável. Viver na metrópole deve ser mesmo terrível. Bandidos por todos os lados. Mendigos, pedintes, viciados. E ela, coitadinha, uma moça sozinha, linda e loira num carro esporte (do ano), travando a difícil batalha contra a cidade monstruosa que vivia. Ela, que merecia muito mais, merecia morar em Londres, Nova York, Dubai, talvez. Esses lugares sagrados onde nada de ruim acontece. Aí sim ela não teria medo.
            Mas não. Ela estava em São Paulo. Estava naquele estacionamento assustador em plena Vila Olímpia. Estava assustada sim. Impossível não estar. Alguns poucos minutos de caminhada e ela já suava frio. O rosto ficou ainda mais contorcido. Os braços tensos. Os passos mais rápidos. E num instante qualquer, ela olhou pra trás, parou por meio segundo, arregalou os olhos, engoliu o ar. Deve ter ouvido algum barulho. E com o passo ainda mais apertado, alcançou a maçaneta da porta do seu carro. Com as chaves já em mãos (moça precavida, pelo jeito), abriu a porta com força, batendo com ela no joelho esquerdo. Mas sem tempo pra sofrer, se enfiou dentro do carro, bateu a porta e acionou as travas. Respirou fundo. Pegou um lenço da bolsa pra limpar o suor, colocou a bolsa no banco do carona, enfiou a chave no contato, ligou o carro e saiu bem devagar. Parecia não querer chamar atenção. E com o carrão praticamente rastejando, foi saindo do estacionamento. Seu rosto tinha até um aspecto melhor. Talvez graças a sua fortaleza de R$350 mil reais. Extremamente seguro, claro.
            Na curva da última rampa, quase chegando ao térreo, ela se deparou com um vulto que descia a rampa também quase correndo, uma figura humana a pé, ligeiro mas sorrateiro como sua própria sombra projetada na parede. Ela se assustou. Mas se assustou demais. Ao invés de parar, desviar ou quem sabe até dar meia-volta, ela finalmente acelerou o carro, berrando. O vulto também berrou. E num instante qualquer, numa fração mínima de tempo, o carro pegou ele. Prensou na parede. Ela, estranhamente ficou muda. Seu rosto voltou a torcer, como no início, só que num nível crítico. Parecia que ela ficaria deformada pra sempre. Talvez sua consciência ficasse. Talvez não. Será que ela sentia medo?


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